CONFRARIAS SANCRISTOVENSE DE HISTÓRIA E MEMÓRIA
As confrarias
constituíram os pilares do ensinamento catequético, chegando inclusive a
possuir uma biblioteca própria composta de bíblias ilustradas, sermonários e
literatura piedosa em geral. O conjunto de fiéis, composto em grande parte por
analfabetos, adquiria conhecimento pelo hábito da escuta, ou seja, através da
leitura compartilhada praticada por ocasião das missas, pregações e aulas de
catecismo promovidas pela paróquia. Veja exemplos de acervos raros sob aguarda
das paróquias ouropretanas ou já reunidos nos arquivo das dioceses de Mariana,
Sabará, Diamantina e São João Del Rei.
Na época Moderna a
vivência religiosa dos leigos foi marcada pela fundação de ordens terceiras e
irmandades, genericamente tratadas pelo termo confraria. Tais associações
nasceram na Idade Média e foram muito estimuladas pela Igreja, sobretudo a
partir do século XVI. O século XIII foi generoso com o laicato, São Simão
Stock, São Francisco de Assis e São Domingos fundaram ordens terceiras na
Europa medieval por se preocuparem com a espiritualidade de homens e mulheres
comuns.
Ressalta-se que,
embora tradicionais, as confrarias foram assimiladas ao processo modernizador
de reforma espiritual e se aclimataram aos territórios conquistados ou
evangelizados durante a época moderna. Assim sendo, reitera-se que o vínculo
associativo de vida fraterna não foi um fenômeno específico do mundo
ibero-americano. De maneira geral, as confrarias foram importante instrumento
catequético, pois ensinavam a seus membros as principais orações, os pecados
capitais, as virtudes cardeais e teologais (fé, esperança, caridade), os sete
sacramentos, os dez mandamentos, o exame diário de consciência, bem como a
prática da confissão e comunhão por ocasião da quaresma.
As ordens
terceiras eram compostas por leigos, muitos deles reinóis – casados ou
solteiros – que desejavam seguir a regra franciscana ou carmelita sem fazer os
votos solenes (castidade, pobreza e clausura). Geralmente a eleição da mesa
diretora dos terciários era ratificada por autoridade provincial, representante
do convento respectivo que também tinha a função de inspecionar periodicamente
a agremiação leiga. Os estatutos das ordens terceiras instituíam práticas
religiosas afinadas com o ideário reformado: exercícios penitenciais, confissão
e comunhão com maior frequência e preparação espiritual através do noviciado.
Os terceiros
sentiam-se mais qualificados na hierarquia social e espiritual que os membros
das irmandades, pois normalmente faziam parte da elite (artesanal, intelectual,
política e militar) e também eram irmãos professos. Profissionais destacados no
ofício de pedreiro, carpinteiros, entalhadores, escultores, pintores e
empreiteiros foram membros dessas associações e foram sepultados em seus
templos. Por isso, na época colonial foi comum o registro de disputas, litígios
e retaliações entre esses dois tipos de confrarias2. Além do mais,
conforme já demonstrou Marcos Magalhães Aguiar, as confrarias de africanos,
crioulos e mulatos foram tenazes contra as prerrogativas da paróquia, sempre no
intuito de atingir maior autonomia.
As irmandades,
também compostas por leigos, não tinham vínculo com as ordens conventuais. Tais
agremiações mantinham um aspecto devocional (ligado às raízes populares da
religiosidade medieval) e dedicavam-se ao culto dos santos, dos anjos, das
almas do purgatório, de Nossa Senhora e da Santíssima Trindade. Os membros
agremiavam-se conforme o ideário dos pares, ou seja, por critérios étnicos,
profissionais e sociais.3
As
irmandades eram fiscalizadas por autoridade diocesana (representante do bispado
respectivo) e possuíam uma mesa administrativa eleita anualmente. O
irmão-provedor, o escrivão, o tesoureiro e os doze mordomos prestavam serviços
à mesa da agremiação e contribuíam com taxas proporcionais à dignidade do cargo
que ocupavam. Em contrapartida, eles recebiam um número maior de missas em caso
de falecimento, tendo o irmão provedor o privilégio de ser sepultado na
capela-mor do templo.
As ordens terceira
e irmandades garantiam aos seus filiados uma proteção corporativa que implicava
na assistência espiritual e material. Em geral, elas responsabilizavam-se pela
prestação dos seguintes serviços piedosos: socorro em caso de doença, viuvez ou
desgraça pessoal; preparação e execução de cortejos fúnebres e enterros
solenes; celebração de missas em sufrágio da alma e concessão de sepultura em
solo sagrado o que era feito com beneplácito da paróquia. Por sua vez, os
irmãos agremiados deveriam cumprir uma série de deveres, a saber: pagar a taxa
de matricula estipulada pela confraria, quitar as anuidades estabelecidas em
compromisso, acompanhar os funerais dos irmãos falecidos e rezar por suas
almas, participar das festas e celebrações realizadas em louvor do padroeiro da
associação religiosa.
O aspecto
normativo do corpo comunitário buscava desbastar manifestações fora da
ortodoxia ou do que era aceitável no âmbito religioso e social. Dessa forma,
havia uma vigilância sobre a origem dos agremiados com o intuito de não
permitir a filiação de “raça infecta” – mouros e judeus, cuja religião era
considerada herege – nem de membros que tivessem comportamento vexatório ou
vida pregressa escandalosa. Em várias irmandades de crioulos (negros nascido na
colônia) não se aceitava o negro boçal, ou seja, o africano que não dominava a
língua vernácula. Por sua vez, determinadas irmandades do Rosário dos Pretos
registraram em seus estatutos a proibição de se aceitar quilombolas. Com essa
argumentação reitera-se que as irmandades e ordens terceiras eram tradicionais,
mas se aclimatavam ao contexto colonial
Quanto mais
extenso e diversificado socialmente o núcleo urbano, maior o número de
confrarias, isto é, de associações de leigos institucionalizadas a partir de livros
de compromissos aprovados pela Mesa de Consciência e Ordens ou pelo bispado
mais próximo. Contudo, foi muito frequente a existência de irmandades de
devoção, ou seja, de agremiações religiosas que tinham finalidade meramente
cultual e que, por isso, não foram erigidas oficialmente. Vale lembrar que as
populações adventícias e também os leigos que nasceram no território americano
português foram responsáveis pela edificação e ornamentação de muitos templos,
visando à beleza do culto, a convivência social e a assistência mútua.
